sábado, 9 de janeiro de 2016

Tecnologia Medieval: O Bodoque

A algum tempo atrás eu falei sobre os arcos e flechas e seus diversos tipos e variações, no entanto, um tipo bastante específico de arco ficou de fora: o bodoque.

No vídeo abaixo, o homem dá uma explicação bastante simples e básica das partes que compõem um bodoque:



O bodoque, ou pellet bow como é chamado em inglês (e que poderia ser traduzido a grosso modo como “arco de pelota”), é um arco que atira “balas” ao invés de flechas. Assim como o arco e flechas tradicionais, o bodoque é uma tecnologia primitiva que está difundida em várias culturas pelo mundo, sendo impossível determinar uma origem única para essa arma (e muito provavelmente de fato não exista uma única origem).

Existem registros de uso de bodoques em quase todo o mundo. Na América do Sul, inclusive, sendo uma arma relativamente comum entre os índios brasileiros e a população caiçara. É também bastante comum no sudeste asiático, e mesmo durante a Idade Média europeia alguns povos os utilizavam com frequência – ainda que esse uso tenha sido ofuscado no registro histórico pelo arco e flecha.

Um bodoque de construção moderna. É possível ver na foto todas as partes características que compõe um bodoque.

Ao contrário do arco e flecha, o bodoque nunca chegou a se desenvolver totalmente em uma arma de guerra. Sua utilização principal ficou quase que totalmente restrita à caça de aves e pequenos animais, ainda que bodoques de construção mais robusta possam servir para abater animais um pouco maiores e até mesmo causar ferimentos consideráveis em seres humanos.

O bodoque inclusive traz uma vantagem na caça de aves e pequenos animais em relação ao arco e flecha: comumente, estes animais eram caçados não apenas por sua carne, mas também para o aproveitamento de suas peles (no caso de coelhos, martas, visons e esquilos, por exemplo) e penas (no caso das aves), e sendo uma arma de concussão, o bodoque tinha muito menos chance de estragar as peles e penas, resultando em um melhor aproveitamento, o que era impossível com o uso de flechas que perfurariam as pelas e destruiriam penas. Não raro, o tiro de bodoque sequer matava o animal, apenas o atordoava ou desmaiava, o que já era suficiente para o caçador capturá-lo.

Para esse tipo de caça o bodoque também apresentava uma vantagem em relação à funda, já que esta última precisa de um certo espaço livre para girar a arma, o que às vezes é complicado em bosques e florestas cheias de galhos. E o estilingue só viria a existir nos locais em que algum tipo de fibra elástica se fizesse disponível (o que na maioria do mundo significa só depois que a borracha vulcanizada se popularizou, após meados do século XIX).

Falando da estrutura em si, em não se tratando de uma arma de guerra, a construção de um bodoque tende a ser bem mais simples do que a de um arco a ser utilizado com flechas.

A corda geralmente é de fibras vegetais, e é nela que se encontra a maior diferença na construção de um arco comum e um bodoque: bodoques quase sempre possuem duas cordas. Esse par de cordas é afixado ao arco em paralelo uma à outra, e mantidas afastadas uma da outra por uma pequena peça de madeira com entalhes nas extremidades onde encaixam-se as cordas.

Na foto acima é possível ver claramente os afastadores separando as cordas, colocados junto às extremidades dos arcos.

Uma variante bem menos comum é o bodoque com uma única corda trançada, dividida em duas apenas em seu centro, onde insere-se a "bolsa" para acomodar a munição. A "bolsa" para a munição, inclusive, é outra característica única do bodoque em relação ao arco comum.

A razão dos bodoques possuírem corda dupla é justamente acomodar essa "bolsa", um local onde encaixa-se a munição a fim de puxar a corda e atirar. A tal "bolsa" pode se feita de um pedaço de couro ou tecido, ou então trançada da mesma fibra da qual é feita a corda do arco.

Aqui é possível ver claramente a bolsa para acomodar a munição entre as cordas, e também o afastador solto das cordas.

Em detalhe, uma "bolsa" para acomodar a munição trançada das mesmas fibras da corda.

Em relação à construção do arco propriamente dita, teoricamente um bodoque pode ser feito utilizando qualquer uma das variações de construção de um arco comum. No entanto, é muito comum que os bodoques sejam self bows (isso é, feitos de uma peça única de madeira), straight bows (sem curvatura natural na madeira), e frequentemente também são flatbows (tendo a madeira cortada ao meio no sentido do comprimento, de forma que ao menos uma superfície seja reta e não arredondada).

Também é comum que os bodoques sejam arcos assimétricos, ou seja, que a empunhadura não seja exatamente no centro do arco. E ao contrário do que comumente acontece no arco e flecha assimétrico, a munição (e portanto a bolsa para acomodá-la na corda) não é alinhada à altura da empunhadura.

E a razão disso é simples: é muito fácil atingir a própria mão com a munição de um bodoque e essa construção assimétrica ajuda a evitar acidentes. Mas essa não é a única solução encontrada para resolver este problema. Uma tribo malaia, os Orang Laut, possuem bodoques com uma espécie de protetor para o polegar afixado à empunhadura do arco. Esse protetor de polegar frequentemente tem uma forma similar a um pássaro estilizado (geralmente identificados como rolas ou pica-paus), mas outras formas também existem.

O protetor de polegar típico dos bodoques dos Orang Laut, na forma de um pássaro.

Não só isso, com a corda alinhada ao arco, é muito provável que um alguém não acostumado ao uso da arma atinja o próprio arco com a munição. Para que isso não aconteça, existe um "truque" que faz parte da técnica de tiro com o bodoque. É necessário um ligeiro movimento de pulso na mão que empunha o arco, para que esse saia da frente da munição e esta passe sem empecilho em direção ao alvo.

Prestando atenção no vídeo abaixo é possível perceber o sutil movimento do pulso que afasta o arco da linha de tiro da pedra:



Mas apesar de ser apenas uma questão de técnica evitar atingir o arco com a munição, a humanidade é engenhosa e outras formas de fazê-lo também foram criadas. Aquilo que talvez seja a variante mais incomum de construção de um bodoque foi inventada justamente para evitar esse problema: o bodoque de arco duplo.

Esta coleção traz uma variedade de tipos de bodoques, incluindo um bodoque de arco duplo ao fundo.

Essa estranha variante do bodoque possui dois arcos ligados por suas extremidades, e mantidos afastados a uma distância fixa por um par de traves afixadas no centro do arco. Entre as duas traves horizontais, é colocada uma trave vertical que servirá como empunhadura para o bodoque. Com a "bolsa" de acomodar a munição posicionada um pouco acima da empunhadura, o tiro passará exatamente acima da mão do atirador e entre os dois arcos.

Um detalhe da empunhadura de um bodoque de arco duplo.

Por fim, em relação à munição utilizada em um bodoque, esta pode ser composta de  simples pedras pequenas, do tamanho e formato adequado ao arco utilizado, balas de chumbo (similar às utilizadas em fundas - apesar de que estas talvez tenha sido utilizadas apenas na Europa), ou pelotas de barro cozido ao Sol ou em fornos.

Um bodoque recurvo moderno, com sua munição.

E aqui encerro essa pequena explanação a respeito dos bodoques. Certamente deve haver mais coisas a se conhecer sobre essa arma quase esquecida pelos RPGs, mas acho que o que listei aqui já deve ser de grande utilidade para inspirar mestres e jogadores a incluírem essa exótica ferramenta de caça em seus jogos.

4 comentários:

  1. com certeza uma boa arma para clerigos. qual seria o dano dela no old dragon? provavelmente 1d6

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  2. Arma e materia sensacionais. Não sabia q ela existia. Vou implementar ela nas minhas mesas de Old Dragon.

    Eu colocaria ela com o dano da funda(1d4 pra munição de chumbo/1d3 pedra) mas com o alcance do arco(tanto curto como longo) e acrescentaria um bônus de dano no caso do bodoque duplo.

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  3. meu tio avó bugre de nascença usava um pra caçar pombas...o veio era muito bom no bodoque...

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